Eles costumavam dizer que era só uma questão de tempo, mesmo quando ainda me ouvem chorar à noite, eles dizem-no.
A comida já não tem o sabor que tinha, ou que pelo menos devia ter, tal como já não sinto o perfume das manhãs de primavera que dançam no ar. Se todas as folhas que dantes se amontoavam no chão, cada uma falava dela, hoje as folhas são brancas: quem sabe as outras não o foram sempre, também? A única diferença é que dantes nós (eu) podia falar e falar, escrever as letras que quisesse, sabia que teria sempre para onde voltar: hoje não tenho.
Os maços de tabaco já não chegam, e beber só serve para me lembrar, mais. Estou tão cansado, mas antes de adormecer acabo sempre por permanecer horas acordado a pensar: oh, eu estou tão cansado. Hoje ainda sei: tens-me na palma da tua mão. Fechas os dedos sufocando-me a abre-los para que eu possa respirar sempre que te aptece, mas respirar já não me mantém vivo: eu nunca quis acreditar, ainda hoje não acredito.
O Sol guiado por Ápolo consome calidamente o céu, e só por isso é que eu digo que as manhas vão e vêm. Quando o caminho inverso é feito eu fico perdido num canto qualquer a ver a luz ser consumida, tal como o meu interior: esquecida por mim. Alguém me cortou as asas, e eu nunca soube como voar: imagina agora. Deixaram o meu corpo cair num rio de vidros e cristais partidos que me cortam a fina camada de pele e tingem o transparente de escarlate.
Eles sabem que eu estou lá, aborígene, profanando cadáveres e rompendo promessas: ainda hoje te procuro, mas eu estou perdido, e fraco...oh, tão fraco. Eu não tenho a certeza se quero continuar. Doi-me o corpo e já não sinto a alma: pergunto-me se ainda a tenho, e quando o faço a sanidade é absorvida pela dor; talvez seja melhor eu esquecer. Com as damas heréticas compassadas em óperas que eu nunca escrevi: pecaram-me, mas de mim escondem o júbilo que encontram na minha dor.
Eles disseram que era só uma questão de tempo, até que me violaram o corpo, calaram os sentidos e te tiraram de mim. Foi só uma questão me tempo, até eu morrer.
11/05/2008
Ruben (Magykeiser)
Uma questão de tempo
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- às 16:00 on 11/05/2008
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- Cicatrizes do Rubens
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